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Sobre a Malásia e os protestos

Algo fantástico aconteceu nessa segunda: Eu voltei para o blog! Hehe, não, não. É mais do que isso. Eu estou com tempo livre desde o momento em que entrei no escritório pela manhã.

E por que isso seria especial? Um pouco de contexto faria diferença. Bem, desde que voltei a terra do calor eterno (há dias que nem o ar condicionado de casa consegue resolver) há cerca de 3 meses atrás, eu dificilmente tenho dias livres. Nos primeiros 2 meses, a situação era ainda pior, e eu chegava a trabalhar 16 horas por dia (sem contar o deslocamento de ida e volta do escritório). Eu me alimentava mal, dormia pior ainda, não tinha fins de semana ou feriados (trabalhava em quase todos) e a maioria das pessoas não acreditava que eu realmente estava de volta na cidade. 


Em três meses na nova empresa, tive que aprender muito e extremamente rápido. Não havia tempo para respirar ou cometer erros (apesar de tudo, eles ocorreram). Por um lado, foi uma experiência inacreditável e que testou os meus limites (ou a falta deles), mas por outro, percebi que não consigo aceitar uma situação de desequilíbrio entre alto esforço (e resultados) e compensação financeira. E é essa é uma das principais razões pela qual não aceitarei nenhuma contra proposta.

Deixando a chatice de lado, vim aqui para escrever um pouco mais sobre esse lugar peculiar no qual me encontro. Sinto que nesse 1 ano e 6 meses que estou aqui, usei pouquíssimo esse espaço para falar sobre questões políticas, éticas e culturais mais sérias. Então hoje falarei um pouco sobre os protestos programados para 9 de julho.

A Malásia, como quase todos os outros países nos quais a religião exerce um papel fundamental na sociedade, não possui uma democracia. O sistema político é composto pelo chefe de Estado, que recebe o título de Yang di-Pertuan Agong, que é eleito dentre um dos 9 Sultanatos malaios (Negeri Sembilan, Selangor, Perlis, Terengganu, Kedah, Kelantan, Pahang, Johor e Perak) e governa por 5 anos, sem direito a reeleição. – Há 13 estados malasianos, mas só os denominados malaios (mulçumanos) possuem sultões elegíveis – Por acaso, a eleição é somente esses 9 nobres e deve ser rotativo (um Estado não pode governar duas vezes, sem todos os outros terem governado anteriormente, ou seja, somente a cada 45 anos a ordem  pode mudar).

Além do Chefe de Estado, há também o Primeiro-Ministro, o Chefe de Governo, que é escolhido pelo Sultão eleito e deve ser um membro “popular” entre a maioria dos membros da Casa de Representantes (Parlamento). É o primeiro-ministro que de fato governa o país.

Desde a independência, a Malásia é governada por um representante do Barisan Nasional (BN), a maior coligação política do país, e que possui partidos de todas as raças malasianas (mulçumanos, chineses e indianos). As coligações de oposição são bem menores e menos organizadas, mas há muito tempo critica, assim como outros orgãos não governamentais, a constante vitória do BN, alegando manipulação das eleições federais.

Pelo que pude entender até o momento, o protesto marcado para o dia 9 de julho (próximo sábado) quer pedir mais transparência nas eleições, maior acesso da oposição à mídia (o governo censura muita informação por aqui!), um perído mínimo estabelecido de campanha (geralmente a data das eleições é divulgada na última hora), dentre outros. O que me chamou mais atenção, não foram os motivos (eu só fui realmente me interar sobre o assunto há alguns dias atrás), mas o fato de todos os dias quando eu abria a página do jornal local que eu acompanho ( http://thestar.com.my), haver algum título do tipo “Chefe de polícia afirma que tomará qualquer medida contra o protesto” ou “Primeiro-Ministro alerta que medidas serão tomadas contra os apoiadores do Bersih (nome do principal protesto)”.

Enfim, no dia em que li o artigo sobre o uso de amarelo (e finalmente associar com os comentários, agora muito mais engraçados, do Facebook) e as prisões relacionadas ao evento, foi quando tomei interesse pelo fato e resolvi pesquisar mais. Resumidamente, o movimento tem como “uniforme” camisetas amarelas, e andam dizendo que a polícia estava prendendo qualquer pessoa usando essa cor, inclusive turistas. A polícia negou e disse que somente apreendeu pessoas DE AMARELO ligadas ao movimento. Vai saber...

De qualquer forma, há diariamente avisos, ameaças e mais e mais artigos sobre o tal evento e nesse fim de semana, eu e alguns amigos pudemos nos divertir mais um pouco com as declarações de um dos ministros, que resolveu apresentar três razões pelas quais os protestos foram banidos:

- A movimentação constante gera uma “situação de inquietude e preocupação” para a comunidade
- Distribuição de propaganda com o propósito de incitar pessoas à derrubar o governo
- Passar uma imagem ruim do país através de atividades que possam ameaçar a ordem pública, segurança, prosperidade econômica. Soberania e harmonia entre as raças.

Vale ressaltar alguns pontos aqui: na Malásia, aglomeração pública de quatro ou mais pessoas (com fins de protesto, é claro) deve ser sujeita à aprovação da polícia (e quase sempre é rejeitada), ou seja, protestos são proibidos; Durante os protestos do Egito, o primeiro-ministro resolveu comentar e até defendeu o direito de ouvir os indivíduos de um país!!!; Quem vive aqui – e que fique claro, tenha uma boa dose de realidade! – sabe que a tal harmonia entre as raças não existe. Mesmo a frente política é totalmente baseada na separação das raças, a fim de se controlar mais facilmente cada minoria.

Para melhorar a situação, partidos que fazem parte do BN resolveram fazer um protesto contra o protesto...QUE? Isso mesmo, eles resolveram protestar contra a oposição com a desculpa de “fortalecer o sistema democrático (sic!) e mostrar que a voz do povo não pertence a oposição”. Não satisfeitos com a idiotice que isso parece, o primeiro partido (de movimento nacionalista mulçumano) que havia convocado o contra protesto, o fez como um desafio à oposição, ameaçando haver confrontos (e que a polícia e o governo já avisaram que não importa quem comece, a responsabilidade será da oposição!) e para ver “quem traria mais pessoas às ruas”. E como toda boa novela mexicana, confusão atrás de confusão nunca é demais, um segundo partido (também mulçumano) resolveu fazer OUTRO contra-protesto em relação ao protesto inicial. Confuso? Imagine...

Bem, 9 de julho já é logo mais, então esperarei o desenvolvimento de tudo isso para contar um pouco mais. O que eu posso dizer já é, nada vai mudar, com ou sem protesto. A tal oposição que procura um sistema mais “transparente” é também parte de sistemas pouco claros e não democráticos, quando ganha algo. No final do dia, tudo não passa de um querendo ganhar mais poder do que o outro, e o interesse do povo mesmo, não faz a menor diferença. 

No próximo post falarei um pouco sobre os Bumiputras e tentar me conter com esse papo de “quotas para os menos privilegiados”. 

Comentários

Tamy disse…
Eu vi na Tv esses dias e fiquei preocupada! Tá afetando mto a sua vida aí ou não?
Que aqui no Brasil é assim! As pessoas fazem protestos fazendo greve ou passeatas! hehe
E daí ou a polícia bate nos protestantes ou as greves fodem com a vida de td mundo! hehe

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